BRASIL, ESTADO LAICO? ( É ÓBVIO QUE NÃO É)

Por liberdade religiosa, cultos afro lutam contra o preconceito em vários níveis.

Religiões de matriz africana, como umbanda e candomblé, exercem forte influência na cultura brasileira, no entanto, comunidades de terreiro são estigmatizadas e alvos de ódio.

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São Paulo – O dia 21 de setembro será marcado, no Rio de Janeiro, pela realização da 7ª edição da Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa. A mobilização é uma iniciativa da Comissão de Combate a Intolerância Religiosa (CCIR) e coloca cada vez mais pessoas nas ruas pela liberdade de culto. Neste ano, com a disputa eleitoral em curso, a entidade busca sensibilizar a sociedade sobre o tema, reivindicar mais ação do poder público diante à violência e discriminação contra comunidades religiosas vulneráveis no Brasil, representar politicamente esses grupos e combater os discursos de ódio. Além disso, o evento estará pautado por acontecimentos recentes que expõem os perigos do fundamentalismo religioso que confronta direitos humanos e agride os princípios do Estado laico, inclusive o crescimento de denúncias de ataques a cultos afro-brasileiros em órgãos como a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e a Ordem dos Advogados do Brasil.
Em 2008, ano em que a CCIR foi criada, 20 mil pessoas aderiram a 1ª edição da caminhada. O maior público se deu na 5ª edição, em 2012, quando 210 mil lotaram às ruas do Rio de Janeiro. A comissão é uma organização da sociedade civil, criada por lideranças religiosas de umbanda e candomblé, mas que agrega espíritas, judeus, católicos, muçulmanos, malês, bahá’ís, evangélicos, hare Krshnas, budistas, ciganos, wiccanos, seguidores do Santo Daime, ateus e agnósticos.
Outras entidades sociais e ainda representantes do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, do Ministério Público e da Polícia Civil a compõe. Como é o caso do delegado Henrique Pessoa, titular da 79ª Delegacia de Polícia do Rio de Janeiro. Ele atua na área desde 2009, com a atenção voltada às religiões afro-brasileiras, que, de modo geral, localizam-se em regiões de vulnerabilidade social e são estigmatizadas.
O delegado conta que a entidade foi criada por religiosos que observavam um aumento da violência contra as comunidades. Recentemente, ele mesmo se viu numa situação de conflito físico motivada por intolerância. Atacado por 20 evangélicos neopentecostais no último dia 3, entrou em confronto com o grupo liderado pelo pastor Tupirani da Hora Lopes, da igreja evangélica neopentecostal Geração Jesus Cristo. Henrique Pessoa alega que é perseguido pelo grupo desde que assumiu as bandeiras da defesa da liberdade religiosa e dos direitos humanos das comunidades afro.
"Lideranças da umbanda e do candomblé procuraram [em 2008] a chefia da Polícia Civil. E o chefe de polícia, na época, achou que seria interessante a gente fazer um levantamento para examinar o que estava ocorrendo", diz. Pessoa era então coordenador de inteligência polícia e relata que, a comandar a operação de mapeamento de situações de violência, passou a se envolver com as lideranças religiosas da CCIR. A entidade procurou as autoridades para denunciar o aumento da violência que ocorria contra as comunidades religiosas e exigir uma ação de defesa dos órgãos públicos.
Para Henrique, o "grande mérito" da organização é abranger todas as religiões. "A CCIR não tem nem sequer segmento legal, não tem estatuto, CNPJ, nada. É um grupo de religiosos que se reúne toda quarta-feira e faz as melhores ações", ressalta. O delegado avalia que o conjunto da atuação das lideranças religiosas e dos órgãos públicos freou a violência contra as comunidades religiosas no Rio de Janeiro. Além da CCIR, surgiram outras entidades que se mobilizam pela liberdade religiosa.
Em 2013, professores da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro iniciaram um trabalho, em parceria com líderes religiosos, para mapeamento de todos os terreiros do estado. A pesquisa de campo durou 20 meses e deu visibilidade a essas comunidades que, na grande maioria, ficam em lugares mais pobres. Foram registrados 840 terreiros. Desses, 430 já sofreram ataques. Evangélicos foram responsáveis por 40% dos casos.
No entanto, quando a Polícia Civil iniciou o mapeamento da intolerância religiosa, se deparou com um problema sistêmico. A Lei nº 7.716, de 1989, penaliza crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. Redigida em 1997, a lei definiu como crime "discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional."
"A versão que tinha sido alimentada no sistema até 2009 sobre casos de intolerância estava defasada. Então, quando nós fizemos a pesquisa de incidência, tivemos essa dificuldade. Em função disso, nós tivemos a chance de corrigir o sistema, incluindo a formulação da lei de intolerância religiosa", explica o delegado. Com a atualização do sistema, a Polícia Civil do Rio de Janeiro registrou um aumento de 400% de notificações de crimes de intolerância religiosa.
Mesmo com a medida, Henrique avalia que outros casos de discriminação não foram identificados pela dificuldade de delegados em reconhecer as denúncias e registrá-las corretamente. Os policiais incluíam os crimes na lei contra preconceito racial, ou nem registravam. Nesse sentido, o segundo passo da atuação da Polícia Civil foi um trabalho de conscientização sobre direitos humanos com os agentes.
A inteligência da polícia passou a realizar, semanalmente, aulas de 4 horas discutindo direitos humanos, com ênfase em crimes de ódio, intolerância religiosa, preconceito racial e combate à homofobia. Além disso, as aulas trabalham formas de abordagem.
O delegado afirma que é preciso conscientizar o policial da responsabilidade em registrar adequadamente um crime de discriminação religiosa. "Porque a gente observou que as pessoas não davam a devida atenção ao fato. Achavam que era uma briga, diziam ‘deixa para lá'", observa.
Henrique explica à reportagem da RBA que não é possível passar todos os dados coletados, pois há impedimentos judiciais, mas afirma que, com os trabalhos, a violência contra comunidades afro-brasileiras no Rio se estabilizou de 2012 para cá. Por isso, a polícia do estado é uma referência nacional na atuação contra crimes de intolerância religiosa.
No entanto, para o delegado, ainda é preciso evoluir, principalmente nos valores da sociedade. Pessoa pontua que a agressão de evangélicos contra umbandistas e candomblecistas é uma situação nacional, mas ressalta que, embora a maior parte das agressões parta de tendências evangélicas neopentecostais, não se pode generalizar para todas as igrejas de origem protestante. "As igrejas mais tradicionais, batistas, embora tenham convicções religiosas, não chegam ao nível da intolerância religiosa. Eles são respeitosos", argumenta.
Quando questionado sobre ser uma exceção entre delegados, por reconhecer os direitos de grupos minoritários, Henrique responde que não se considera um caso isolado. "Me reconheço como militante e pioneiro na abordagem do tema e sou realmente uma pessoa que vai além da minha atribuição institucional, mas não sou uma exceção. Hoje, tenho diversos colegas que encaram a situação."

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