CIGANOS BRASILEIROS

Eles já nasceram ciganos

Em Bauru há quase um mês, grupo vindo de Minas Gerais conta que ainda tem quem acredite que eles roubam criancinhas


Fotos/Quioshi Goto
Ciganos estão há quase um mês acampados no Jardim Guadalajara
O brilho das correntes e dos dentes de ouro contrasta com a timidez. As crianças, ao verem o carro da reportagem chegar, correm para as pequenas cabanas e espiam pelas frestas. Algumas se escondem atrás das saias floridas das mães. Com ar desconfiado, os mais velhos observam de “canto de olho”. Foi assim o primeiro contato com o grupo de ciganos que veio de Minas Gerais e está há quase um mês no Jardim Guadalajara, em Bauru.
A desconfiança inicial do povo nômade é logo quebrada quando explicamos o motivo da visita. Desconfiança que se explica muito por conta do preconceito. Eles contam que, em pleno 2013, ainda tem gente que acredita que eles roubam criancinhas.
“Vixe, moço. É uma das coisas que mais tem ainda. As pessoas mais caipiras acham que vamos levar as crianças delas. Alguns até fogem de nós”, relata Fabiano dos Santos, 16 anos.
Cileia Santos com o marido, Adriano, e a filha, Francileia: “Ela vai aprender a ler mão também”
O grupo de 20 pessoas – metade adultos, metade crianças – veio da cidade mineira Borda da Mata e está desde o começo deste mês na rua Manoel Duque, perto do cruzamento com a Rodrigues Alves. “Tinha mais uns dez, mas eles já foram embora”, conta o jovem.
Após viajar mais de 600 quilômetros, eles, que são todos da mesma família, chegaram aqui e montaram dez barracas. “Por que escolhemos Bauru? Ah, não escolhemos. Nós fomos andando e Bauru é uma cidade boa. Não tivemos problemas aqui”, conta Zé Carlos dos Santos, 49 anos.
Aos poucos, a timidez vai sendo quebrada e as crianças se amontoam em torno do fotógrafo. A cada clique, ele tem que parar para mostrar a elas como ficou a imagem.
Dona Vani, 68 anos, é a integrante mais antiga do grupo e também a mais discreta
Se a criançada é conquistada com um retrato, não é tão fácil com dona Vani, 68 anos. A mais antiga do grupo é também a mais discreta. Sentada atrás de uma fogueira, ela reluta em mostrar o rosto.
“Eu gosto dessa vida que levamos. Mas, em alguns momentos, acaba sendo muito sofrida. Eu mesmo já sofri um acidente e fiquei em coma”.
Desde então, ela conta que perdeu a “capacidade” de ler mãos. A prática, por sinal (ao contrário do roubo de criancinhas), é algo que realmente é praticado pelos ciganos e atravessa gerações.
Cileia Santos conta que aprendeu a ler as mãos com 10 anos. Hoje, com 25, ela conta que já previu muita coisa que não queria. “Já vi futuro de pessoas que iriam morrer e eu acabei nem falando para elas”.
A cigana está grávida de cinco meses e já tem a pequena Francileia, de 1 ano e 4 meses. “Ela vai aprender a ler mão também. Todas nós, mulheres ciganas, aprendemos”.
Este é um dos meios de sobrevivência dos ciganos. Além dele, o grupo também vende conchas, panos de prato e outros tipos de artesanato.
 
Não param
O que desperta tanto interesse na população é certamente o estilo de vida e o fato de nunca estarem fixos em algum lugar. “Nós até temos residência em Minas Gerais. Mas não paramos nunca. Estamos sempre viajando. Ficamos menos lá do que em outros lugares”, conta Zé Carlos.
Taís, 4 anos, é uma das crianças entre os ciganos
E eles realmente não param. Já estão se despedindo de Bauru. Neste fim de semana, devem partir. Para onde? “Já vendemos tudo que trouxemos. Vamos sair viajando por aí. Não temos um rumo definido”, completa Fabiano dos Santos.

Nômades e sofridos
Dentro de uma das cabanas, Maria dos Santos, 45, cortava as batatas e as colocava para fritar na panela. Estava preparando um arroz. A mulher, apesar da pouca idade, tem seis netos e três filhos. Há um ano, perdeu o marido em um acidente.
Ela é apenas um exemplo das várias gerações que nascem e crescem com tal estilo de vida. Apesar de afirmarem que gostam de viver na estrada, a maioria também afirma: “é sofrido”.
Zé Carlos conta que não é nada fácil. Ele explica que “cigano” é, além de um modo de viver, o trabalho que eles encontraram. “E é algo complicado. Já fomos mandados embora de algumas cidades. Tem hora que cansa viver assim”.

Dentes de ouro, leitura de mãos e... celulares!
Ao passar poucos minutos com o grupo de ciganos, é perceptível como as raízes foram preservadas. Língua própria, leitura de mãos, dentes de ouros e tudo mais que ronda o imaginário da população. Quase tudo. Hoje, eles também são fãs da tecnologia.
“É o que mais tem por aqui. Temos celulares e notebooks”, conta Fabiano dos Santos, 16 anos.
Durante as noites, as mulheres também fazem um programa que, antes, não existia. Elas se reúnem em frente a uma televisão ligada no motor de um dos carros para ver novelas.

Eles aprendem a língua cigana sozinhos
Para driblar o repórter, alguns ciganos conversavam em uma língua própria deles. Língua que passa de pai para filho. A pequena Taís, de 4 anos, falava algo com o pai, Cristiano, 25. Não é possível identificar uma só palavra. “Eles aprendem sozinhos a língua cigana. Vão crescendo aqui e vão aprendendo”.
A língua é usada exatamente para os ciganos falarem entre eles. É uma espécie de código que somente os ciganos conhecem. Taís já se comunicava com o pai desta maneira. Mas, quando pediu para ver as fotos, usava o bom e velho português: “deixa eu ver, deixa eu ver”.
Mais falante – tanto no português quanto no “ciganês” – de todos, Cristiano é uma espécie de “relações públicas” do grupo. Brinca e indica cada um que teve ser entrevistado. Os mais tímidos correm dele. Alguns chegaram a pegar um dos quatro carros do grupo para fugir da entrevista.
A troca de veículos é também um meio de os ciganos ganharem dinheiro. “A gente faz rolo de carros também. Vamos trocando nos lugares em que passamos”.





FONTE: JCNET


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