FONTE: Campo grande news
Sem endereço fixo, cigano de 3 anos ficou sem vacina: os paradoxos da vida livre
A terra
deles é o planeta. O teto é o universo e a religião pregada é, acima de
tudo, a liberdade. O pensamento cigano é fruto da vida dinâmica que
levam e que não pode parar. Está para nascer tribo que viva mais o
desapego do que estes, que assimilam o que veem andanças afora, mas
seguem em frente sem olhar para trás.
Ao
contrário do que a gente venha a pensar sobre o futuro, eles têm a
total confiança de que o amanhã lhes reservará o que for preciso, antes
mesmo que a necessidade bata à porta. Fincar raízes seria lhes cortas as
asas, estabelecer laços seria o mesmo que algemá-los. O presente e o
futuro são vividos com os olhos na estrada que se abre aos pés ciganos
conforme o desgastar dos passos.
No acampamento em Campo Grande, os mesmos personagens da história que o Lado B
contou ontem, vivem a invisibilidade. Eles que carregam história, arte,
cultura, costumes e tradição não são vistos e quando são, infelizmente,
por maus olhos.
A descriminação
existe, o preconceito também e não é de hoje. A cada terreno que chegam
os “não” são as boas vindas que os moradores têm a oferecer. No entanto
esta mesma tribo faz valer que cada um oferece o que tem. Não será isso
que os fará ir embora. O tempo de permanência é curto, num calendário
que para eles corre diferente.
“Aprendemos
respeito, a nunca sair pedindo nas casas, o povo já liga para a
prefeitura pra tirar a gente por nada”, diz Fábio Aristides, de 34 anos.
Cigano rorahanin.
Aqui,
onde estão há três meses, viveram o auge da descriminação. Fábio que é
pai de uma das seis famílias que vivem no acampamento não conseguiu
vacinar o filho menor, de 3 anos. Levou ao posto de saúde e a recepção
foi negativa.
“A vacina do
bebê eles não quiseram dar. Falaram que precisava de endereço, mas nós
não temos, somos ciganos”, argumentou, em vão, porque voltou para casa
sem o atendimento ao pequeno.
Fábio
não pediu, não reivindicou, não chamou a imprensa para reclamar do
atendimento na saúde. Talvez porque este não foi e nem seria o último
não. No fim, ele continua a história como quem segue a caminhada e
aceita brincar com os paradoxos que a vida traz a cada parada.
“Tem
número da lei, uma cartilha dos ciganos, o pessoal não quer entender
essas coisas. Eles não sabem que dentro da gente tem um coração...”.
À
reportagem, Fábio pediu a cartilha para que ao menos possa fazer valer o
que em lei lhes é garantido por direito. O documento chama “Povo
Cigano, o direito em suas mãos”, lançado em 2008, com 29 reivindicações
apresentadas em Conferências de Direitos Humanos e de Promoção da
Igualdade Racial. O curioso é que o download dela é por áudio, seguindo à
risca a cultura falada que é passada de geração em geração. “A gente
não quer ajuda, a gente quer que cumpram um pouco essa parte”, ressalta o
cigano.
O aprender a ler e escrever é
feito muitas vezes debaixo de tenda. Esta que eles se restringem a
poucas fotos. De lonas, na maioria azuis, eles tem debaixo delas fogão,
uma pia improvisada, camas e as roupas que vestem e vendem em malas.
Tudo muito limpo e arrumado, apesar do vento constante.
“Os
ciganos põem se quer ou não, mas como não tem residência e viaja com a
barraca, as crianças estudam em casa mesmo, eu nunca fui na escola,
aprendi a ler e a escrever em casa e ensinei eles” fala Fábio sobre os
filhos. Além do pequeno de 3, ele tem um maior, de 9 anos.
A
cartilha estabelece que o ensino para as crianças deva ser pensado e
discutido com as comunidades ciganas respeitando a tradição e a língua,
sob responsabilidade do Estado e Município. O atendimento à saúde deve
levar em conta o modo de vida e os costumes ciganos. O documento
apresenta também como responsabilidade do Poder Público, assistência e
saúde diferenciados, por meio de unidades móveis que possam não somente
tratar, mas orientar e prevenir.
O
terreno onde estão os ciganos não dispõem de água. O padrão de energia
foi acrescido. No entanto, não há estrutura alguma para um acampamento.
Nem lixos e banheiros, quando, pela lei, a Prefeitura é obrigada a
destinar espaço adequado com infraestrutura para acampamentos ciganos.
“Água
a gente pega no posto de gasolina ou dos vizinhos, conversa e paga
eles. O banheiro a gente usa do posto. Aqui as pessoas são difíceis de
ceder, é complicado. Então é só do posto mesmo. Eles não estão
acostumados, mas muita gente apronta e eu não tiro a razão deles”,
afirma a esposa de Fábio, Paola Aristides, de 29 anos.
Até então as casas não foram invadidas, desfeitas ou o que mais a maldade possa fazer.
O
tempo corre e nem eles mesmos sabem precisar quanto tempo ainda vão
ficar aqui. Como ciganos, eles nunca demonstraram o desejo de ter a
própria cidade, a pátria é onde estão seus pés, que por ora, ainda é
Campo Grande.
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