Leitoras natas da sorte estão em Cuiabá

Reportagem acompanha dia da comunidade nômade que está há alguns meses na Capital. Pela tradição, mulheres do grupo nascem com dom de ver a sorte


No Centro, mulheres oferecem leitura da mão e recebem o que cliente se dispor a pagar, não podem cobrar



Elas vivem da sorte alheia e chamam a atenção por onde passam. As saias multicoloridas se destacam em meio à multidão de calça jeans. Tatuagens estampadas no corpo com nomes de familiares e o sorriso amarelado, não de sujeira, mas de uma infinidade de dentes de ouro são outras características desse grupo misterioso de mulheres.

A reportagem do Diário entrou no universo da cultura cigana. Por um dia, foi possível acompanhar como um grupo de mulheres ciganas carrega na vida o peso de uma tradição que é passada de geração a geração. A primeira constatação é óbvia. Uma cigana leva uma vida simples e nômade.

O sentido do pertencimento e o elo de afetividade a um lugar são sensações distantes do mundo delas. Talvez é por esse motivo que elas são tão arredias. O maior desafio desta reportagem foi entrevistar o grupo. Quando mal abriam a boca para responder uma pergunta, logo disparavam entre si um dialeto difícil de se entender.

Mas uma das ciganas, também de respostas curtas como já se sabia, resolveu falar um pouco da vida que o grupo enfrenta para manter acesa a tradição. Ela se chama Sandra Costa.

De acordo com Sandra, o grupo é do estado de Goiás e está há pelo menos três meses em Cuiabá. Sandra e outras quatro mulheres todos os dias saem cedo do acampamento montado no bairro Três Barras e seguem rumo à praça Ipiranga ou a qualquer lugar do centro da Capital com maior concentração de pessoas.

Nesses locais, elas abordam as pessoas para oferecer o que segundo elas é um dom nato: a leitura da mão para mostrar a sorte das pessoas. De mão em mão, elas acabam ganhando trocados de transeuntes e, com isso mantêm o sustento temporário da família no acampamento. Segundo o grupo, não se cobra pela leitura da sorte. O pagamento fica a critério de quem está recebendo a leitura.

O dom de ler mãos se desenvolve apenas nas mulheres. De acordo com a cultura cigana, a menina, quando completa 12 anos, começa a dar os primeiros passos na leitura. Ela aprende a ler a sorte sozinha. É como andar, correr e falar. O domínio do dom só chega quando ela completa 18 anos. Elas também fazem simpatias.

Outra constante entre as ciganas é a maternidade. Muitas delas têm filhos ainda adolescentes. A mais jovem do grupo de ciganas que o Diário acompanhou tem 18 anos e já carregava dois filhos.

O idoso é uma figura de respeito. Entre as ciganas, por exemplo, a autoridade é exercida por uma cigana idosa. É ela quem decide quando o grupo deve retornar para o acampamento, que locais devem passar, assim por diante. Esta cigana idosa é casada com o chefe do acampamento, que é a maior autoridade entre as famílias acampadas.

Quando a reportagem esteve no acampamento que foi instalado ao fundo de um supermercado no bairro Três Barras, o chefe do grupo não estava no local e, por isso, muitas perguntas deixaram de ser respondidas. Segundo elas, era necessário ter a autorização dele para falar.

ESTRUTURA – Barracas de lona e chão de terra batida. Assim é a infraestrutura do acampamento dos ciganos em Cuiabá. A comida é feita em panelas sobre tijolos. O fogo ateado em gravetos aquece a comida. O acampamento não conta com banheiro. Um vizinho cedeu um banheiro com ducha e vaso sanitário que é utilizado por todos.

Cada barraca conta com um carro de passeio, de propriedade dos homens. O que chama a atenção entre os ciganos é a possibilidade de um homem poder ter várias mulheres. Essa concessão foi confirmada pelas ciganas, mas ninguém disse se algum homem do acampamento era casado com mais de uma mulher.

Na família cigana é o homem quem manda. No acampamento cuiabano eles vendem toalhas e são reconhecidos de longe. Trajam calça jeans com uma grande fivela presa ao cinto e camisa de manga comprida.

Com uma cultura bastante diferenciada de grande parcela da população, todas as ciganas entrevistadas disseram não se arrepender da vida que levam. “É a nossa tradição”, disse uma delas. Outra foi mais enfática. “A pior coisa é ter patrão. Nós somos livres”, finalizou. 


Comentários