Roma e os Roma - dicas de quebra.

Recentemente fiz uma viagem a Roma. Além do encantamento de reencontrar a cidade que no mundo mais se parece com S. Paulo, o que faz a gente se sentir em casa com um acréscimo de antiguidade, fiquei escandalizado com a agressividade da direita romana.
São cartazes para todo lado, chamando o “Orogoglio Romano”, por uma “Destra Sociale” que se volta, sobretudo, contra os Roma, ou ciganos.
Conclamam os habitantes de Roma a expulsarem os “acampamentos ilegais” – como se a cidade e a Itália estivessem sendo invadidas por forças bélicas estrangeiras. É triste ver isso no país que tanto inspirou a nossa esquerda e políticas de tolerância no mundo inteiro, agora dominado, em parte, por esse “espírito de Berlusconi”, ou de Gianni Allemano, o prefeito de Roma que faz campanha contra os ciganos.
Essa temperatura romana segue uma nova tendência racista que grassa na Europa, temperada pela crise financeira que arrasa empregos e semeia desejos de encontrar bodes expiatórios, de preferência entre os mais fracos. Podem ser numerosos, desde que facilmente identificáveis. E os dois grandes bodes do momento são os ciganos e os muçulmanos.
Na Alemanha o assunto “muçulmano” continua a arder. Ganhou mais lenha porque o primeiro ministro da Baviera, Horst Seehofer, da CSU (União Social Cristã) deu uma declaração no fim de semana dizendo que a Alemanha não precisava de mais imigrantes da Turquia ou de países muçulmanos, porque eles têm dificuldades em se integrar.
Isso aconteceu logo depois do jogo entre as seleções alemã e turca, na sexta-feira. Os alemães ganharam de 3 x 0: jogaram melhor, e aproveitaram as oportunidades, ao contrário da Turquia, que se enredou nas pernas.
Mas os maiores feitos estiveram nas arquibancadas. O primeiro ministro Tayyip Erdogan – com um cachecol ao pescoço, com as cores de ambos os países – e a chanceler Ângela Markel assistiram juntos o jogo, num esforço para neutralizar as animosidades. É verdade que nem tudo foram flores: os milhares de torcedores turcos que ocuparam parte considerável das arquibancadas do Estádio Olímpico de Berlim vaiaram sem cessar o atacante alemão Özil, de ascendência turca. Ele deu uma elegante resposta, dentro do espírito esportivo: marcou um dos gols de sua equipe... Mas  não houve registro de incidentes violentos entre as torcidas, de modo que o jogo foi considerado “um sucesso”.
O novo racismo vem pintado de “culturalismo” e de “defesa da civilização judaico-cristã” na Europa. Isso é uma novidade: os judeus, antigos parias do Ocidente, agora que o governo de Israel afronta os palestinos, foram incorporados ao “patrimônio cultural europeu”. Felizmente, nem todos os judeus embarcam nessa nova onda. Os conselhos respectivos na Alemanha, judeu e muçulmano, mantém boas relações e não raro tomam iniciativas conjuntas para combater racismos e outros preconceitos assemelhados, religiosos ou culturais.
Entrementes, na Roma tão brasileira, dá pena ver essa desfaçatez da extrema-direita.

P. S. – Hoje vou fazer um pouco de marketing. Na Roma maravilhosa, o viajante tem que se cuidar. É muito fácil ser assaltado. Não, não me refiro a mãos bobas nas estações de metrô ou coisas do estilo. É que no meio das hordas de turistas que navegam atrás das sombrinhas alevantadas dos guias, é muito fácil cair em armadilhas. Por exemplo: pagar 18 euros por um vinho (aliás, muito bom, um Frascati Gotta D’Oro) num restaurante, e depois descobrir que ele custa 3 no supermercado... Vá lá que ninguém tem a ilusão de querer encontrar preço de supermercado num restaurante, mas 6 vezes é demais...
Ou então olhar os preços no cardápio, na porta do restaurante, e descobrir depois que aquele preço é apenas para o balcão: na mesa, é o dobro... Ou pior ainda: comer pizzas caras e de má qualidade, que só dão saudades das de S. Paulo, aliás, uma das capitais mundiais do gênero, e até das de Berlim, onde as há e muito boas.
Por isso descobrir um restaurante, de resto pequeno e muito acolhedor, onde se come boa comida romana, e barata, é uma fonte de cultura, tanto quanto visitar o Museu do Vaticano ou a Galeria Borghese. É a Trattoria Picchiapò, na Via Elio Donato 51, para os lados do Monte Mario, atrás do Vaticano para quem está no centro de Roma.
Ali atendem o Chef e Mestre Francezsco Ticione e sua gentil esposa (cujo nome me esqueci de anotar – olha o meu machismo, ainda que recessivo, aparecendo!), num universo carregadíssimo de pastas, primo piatos, secundo piatos, etc., de derrubar vivo e alevantar morto.
Chef Francezsco atende no restaurante com o avental da cozinha, manchado de tomates e respingos de carne, e do modo volumoso como Deus lhe aprouve fazer. Mas atenção: não o desgoste! Lá pelas tantas deixei no prato um terço da pasta que eu pedira: era deliciosa, mas forte, e picante, logo para mim que, apesar de brasileiro, não sou do lado da muita pimenta. Não tardou dez segundo: a porta da cozinha se abriu, e dela veio um Chef Francezsco, entre furioso e despeitado, me perguntando por que eu desprezara a “sua pasta”! Compreendi que eu cometera um crime de lesa-majestade; expliquei, ainda assim, que a pasta era forte e picante, e que me satisfizera, mas fora muita para minha capacidade. Ele resmungou algo em tom de compreensão (ou piedade, não sei) e se foi cozinha a dentro, de onde as delícias continuaram a sair – menos picantes para mim, é verdade.
Quem ali vai são, antes de tudo, os locais do bairro. Una vera cuccina romana, aberta e democrática – muito longe daqueles estertores da extrema direita. Vale a pena.    
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