Ameaças e perigos na Europa

A Suécia, guardiã do Estado Social e hóspede generosa dos foragidos de diversas perseguições nacionais, a Suécia abriu o Parlamento à entrada da extrema-direita.




É outro de treze países europeus onde organizações extremistas, xenófobas, racistas e excludentes encontram acolhimento nos parlamentos respectivos. O fenómeno parece não preocupar uma Esquerda que foi "iluminada" pela Terceira Via de Tony Blair, e que, de socalco em socalco, estatelou-se na mais vil das traições. Porque, não o duvidemos, a ascensão da extrema-direita não é um epifenómeno: foi prestimosamente auxiliada pela indolência e com a cumplicidade mórbida dos partidos socialistas. 

Quem dirige os destinos da União é o Partido Popular Europeu, de que faz parte Durão Barroso, um medíocre que abjurou das convicções e dos empenhamentos de juventude, para encarreirar a vidinha. O Partido Popular Europeu tem cometido as maiores tranquibérnias para que os motivos e as razões que o inspiram sejam omnipresentes e omnipotentes. E têm ganho as batalhas. As grandes pressões sobre os países mais pobres e em favor dos mais ricos são constantes. E ganham, quase sempre. 

A ascensão da extrema-direita releva a questão dos ciganos e da sua expulsão de França, por parte do governo de Sarkozy. Todos aqueles treze países preparam-se para fazer o mesmo, com maior ou menos incidência. "A fome não tem fronteiras", escreveu Pablo Neruda, em "Confesso que Vivi", para salientar que os expatriados, políticos ou outros, apenas procuravam pão ou liberdade. Ouvi, na quarta-feira, na SIC-Notícias, um programa de debate público sobre o problema. E corei de vergonha. A esmagadora maioria dos intervenientes demonstrou um racismo protozoário, uma impressionante tendência para a perseguição dos "diferentes." Esqueceram-se, os pobres coitados, de que os portugueses são, por natureza e necessidade, eles próprios emigrantes. Agora mesmo, nesta época e neste período, são milhares e milhares de compatriotas nossos, novos e velhos que demandam outros países e outros continentes, a fim de encontrar o pão e o trabalho que lhes falta aqui.

Nasci na Ajuda. No Largo da Paz havia uma comunidade de ciganos, respeitável e respeitada, com cujos filhos brinquei. Ainda tenho amigos desse tempo. E gosto muito deles. Da sua grandeza interior, e da dignidade que não ocultam. O velho patriarca daquela comunidade, Teodósio Maya, sempre de luto vestido e de imensas barbas brancas, era um homem antigo de saberes e sábio de precauções. Sentava-me a seu lado, eu era órfão de mãe, e ele aconselhava-me a ter cautela com as ruas, a aprender a ser feliz, "tanto quanto eu conseguisse", rematava. E joguei muitas vezes o bilhar, tabelas aquecidas, muitos anos depois, com outro Maya, o Sérgio (que será feito desse meu amigo nobre e triste?), que acamaradava com o José Viana, e com este ganhara um campeonato de swing, na Feira Popular. Quando a minha irmã Armelinda (assim mesmo, Armelinda) morreu, as ciganas da Ajuda juntaram-se no velório, eram dezenas, e choraram a amiga com emoção e generosidade.

Gosto de ciganos e não gosto de pessoas que não gostem de ciganos. Eles resolvem os seus problemas pessoais entre si, com a agressividade que as situações de honra por vezes explicam. Tal e qual como todos os outros portugueses. 

APOSTILA - Acabo de ler, com detida atenção e o prazer que sempre me dá um livro bem escrito e bem pensado, o primeiro texto de ficção de João Paulo Guerra, "Romance de uma Conspiração", edição da Oficina do Livro. Jornalista dos mais importantes da sua geração, profissional da Rádio que fez escola e criou um estilo, João Paulo Guerra tem feito do rigor um estandarte e da ironia uma arma sem igual. A Revista de Imprensa que, todas as manhãs, faz na RDP é um prodígio de talento e de sarcasmo. Este belíssimo volume, agora editado, devolve-nos o prosador admirável e o atento vigilante da causa política e social. Trata, o livro, de uma sinistra ocorrência, de que o autor foi testemunha involuntária, no Portugal, mais propriamente na Lisboa da década de 60. E a recuperação desse tempo infausto, a que ele procede, com minúcia e inteligência crítica, lembra as sequências de um filme policial, ao mesmo tempo que nos concita a reflectir. "Romance de uma Conspiração" serve-se de todos os materiais comuns a quem deseja assinalar um tempo e as suas misérias. Documento-ficcão, ou ficção documentada, pelas suas páginas desfilam cenas, casos, acontecimentos e pessoas que também nos pertencem. "Romance de uma Conspiração" não tem nada a ver com as aldrabices "literárias" que por aí circulam. Dilecto: leia este texto e surpreenda-se com a estria na literatura de um nome maior da nossa cultura jornalística. 



FONTE (Jornal de Negócios)

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